Le Cuisinier.

Entre panelas, pratos, vinhos e temperos, junto ao fogo, acontece a cocção de palavras e idéias aromáticas. As receitas podem ser concretas ou abstratas... vai depender do que vai em cada um, do que constrói cada um, do desejar de cada um. É um lugar livre, de integração, mas também da possibilidade de divergir do que está posto no mundo. Todos são bem vindos! LE CUISINIER.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Vida Cotidiana.

VIVER. Tenho nos meus escritos pessoais refletido – em algum momento – sobre essa “coisa” misteriosa e fantástica que é a vida. Nasci em meados do século passado e lembro que tive uma infância que poderia chamar de “normal”. Família de cinco pessoas, pais dedicados, dois irmãos lindos, um cachorro de estimação - Chano - e unindo todos, nos transformávamos em uma família grande compostas de tios, avós, madrinhas, primos e agregados de sangue e de afeto. Estudei em boas escolas embora não nas que desejei ardentemente. Brinquei na praça, fui muito a praia já que morava a poucos metros dela, aprendi a amar o que ia dentro dos livros, estudei música barroca, cantei em corais, viajei, acampei, toquei violão, flauta, desenhei, pintei, subi a serra e tomei banho de rio. Fiz caminhadas, peguei minha primeira carona com uns 13 anos, sozinho, em caminhão na beira da estrada, naveguei em veleiros na época em que era do grupo de escoteiros do mar, andei de bicicleta, andei de skate - uma “novidade”- e fiz amigos que duram até hoje. Conquistei espaço fora e dentro de mim mesmo, descobri o mundo interno e o externo; descobri minha sexualidade e que podia ter prazeres desconhecidos até então e indescritíveis. Descobri também um universo de sabores e texturas freqüentando as cozinhas dos meus avós maternos, do meu tio Antônio, da minha avó paterna que fazia um macarrão com um feijão mulatinho que me dão água na boca até hoje e vivenciei, na intimidade da cozinha da casa de meus pais, as delicias que minha mãe criava e dava materialidade todos os dias fosse no almoço, fosse no jantar ou em simples lanches no final da tarde de um dia de semana qualquer. Sentia-me feliz e tranqüilo e vivi assim, com esse sentimento por muitos anos mesmo quando as coisas não funcionavam como eu imaginava que deveriam ser ou que “seriam legais que tivessem sido assim”. Dificuldades! Elas doem mas fazem parte da vida né? Ser reprovado no ginásio em português não foi muito animador, não encontrar belezas no meu próprio corpo adolescente foi uma tortura que durou anos! Fazer primeira comunhão não foi ruim mas ter que freqüentar o catecismo católico forçado foi uma barra. Uma etapa interessante pois não via Deus onde eles falavam o tempo todo que Ele estava. Mesmo assim, tempos mais tarde, fui parar num convento por longos quatro anos e lá confirmei: Deus, como eles falavam, não existe! Larguei tudo. Voltei para o Rio, trabalhei em Banco por anos tentando fazer uma faculdade federal ao mesmo tempo em que enfrentava a Central de Arrecadação do sistema financeiro. "Vivi" os processos internos de como funcionava uma loja Macdonald’s e não recomendo a ninguém. Depois, fui estudar violoncelo na UFRJ durante o dia e trabalhar em bares noturnos na Zona Sul do Rio de garçom, barman, caixa, gerente. Abri meu negócio próprio e queimei todo o dinheiro que ganhei com uma relação desastrosa. Falido, entreguei o apartamento que não conseguia pagar mais, vendi a minha moto nova, me desfiz da enormidade de livros e revistas que tinha – um tesouro perdido para sempre -, comprei uma passagem de avião e fui parar em um arquipélago distante quatro horas de barco do litoral e lá vivi por seis meses cercado por toneladas de areia branca como açúcar, centenas de milhares de coqueiros e um mar transparente e quente. Um lugar sem carros, sem poluição e morando em uma cabana de pescador no alto da ilha junto a um farol de onde eu avistava um forte do século XVII, abandonado, mas cercado por uma praia quase deserta onde tomava banho nu durante a semana, entre peixes coloridos, acompanhado de um sol tropical daqueles que pedimos ao Pai. Conheci pessoas de todo o mundo, fiz amizades, encontrei amigos de fora, bebi todas as cervejas e coquetéis que pude em uma só noite, hospedei uma garota, vinda do litoral, que fugia de um marido ciumento que a queria matar!! (Onde eu estava com a cabeça?!). Hospedei um espanhol fotógrafo que fez de minha cabana uma zona total, e arranjei antipatia com ele e sua turma quando os despachei para longe... eu ainda era um cara muito hermético. Apaixonei-me por uma guria nativa da ilha que era um pote de mel e pisava a areia como se flutuasse sobre ela... mas... a pequena tinha um irmão de 2 metros de altura e forte o suficiente para me partir em dois. O amor acabou aí... em um piscar de olhos, sinal de que eu ainda tinha um senso apurado de onde morava o perigo. Fiquei sem dinheiro e sem trabalho o que me levou ao interior da ilha atrás de côco para matar a sede e encher o estômago com algo sólido - experiência nada agradável podem acreditar. Fim de verão, fim de festa nas areias e por pura necessidade saí do meu paraíso particular e, nesse meio tempo, depois de idas e vindas, fui parar no norte da Europa onde fiquei por meses. Eu estava há muito tempo em ebulição interna, sem rumo, sem lugar e só. Lá tive meu descanso real, tive calma para recompor-me, redirecionar a minha vida e o olhar que lançava sobre ela. Uma viagem crucial para a descoberta do que realmente fazia sentido para mim nesse mundo repleto de oportunidades mas igualmente repleto de "cruzamentos" perigosos nos quais se pode perder a si mesmo para sempre ou simplesmente morrer de forma banal numa tarde qualquer sem sol. Cercado de tanta História e antiguidades aprendi o valor do tempo e do que se constrói com ele e o que se esvai sem ele. Quase sempre em silêncio, me argüia a razão de estarmos aqui nesse planeta. A razão de eu estar aqui. Claro... são muitas e diferentes para cada um. É evidente isso mas, num mundo sofrendo um fortíssimo processo de pasteurização social, política, econômica e cultural é de bom tom ressaltar para esse “detalhe” globalizante que nos dilui uns nos outros e nos rouba a própria face. Nessa Era de transição, sabe deus para onde, a névoa desce intensa e densa sobre o sentido das coisas e perdemos o rumo para onde vamos, para que estamos e por que estamos, do que desejamos e amamos. Para mim o sentido está cada vez mais em não deixar-me ser jogado fora – por mim mesmo ou por indução de uma sociedade cambaleante – e nem permitir que isso aconteça as coisas e pessoas que dão forma e significado a minha vida (ao menos enquanto estiver passeando no planetinha blue). Aprendi e estou ainda deliciosamente aprendendo, o valor do tempo e do Amar, do que se constrói com eles ao longo de sua durabilidade, das possibilidades que brotam das suas existências e permanências. Elas são muitas. Que as coisas que são valorosas e valiosas para e em mim, mesmo não sendo as ansiadas e desejas do mundo “moderno”, são as coisas que têm valor e que dão razão a minha existência. São os elementos que me ajudam a construir as relações de afeto, de amor, de responsabilidade, de trabalho, de solidariedade, de lealdade, da urgência de transbordar gentileza, da elaboração de si mesmo e procurar ser mais aberto, permeável e carinhoso as necessidades do outro e as minhas próprias humanidades. Todos temos esses elementos um pouco mais ou um pouco menos em destaque. São elementos que adquirimos no viver, ao longo do viver a nossa vida e as interseções que realizamos com quem nos cerca, com o que nos cerca. E não precisa ter sido nada fantástica ou fenomenal a vida que levamos até agora ou que levaremos adiante. Não precisamos fazer algo “genial” a cada momento nem mesmo algo genial ao longo de todo esse percurso para que sejamos significados nessa existência. Não precisamos ser magníficos como aquele carpinteiro judeu, nem atingir a iluminação sob a árvore Bodhi, nem tomar a missão de restaurar o mundo a partir de meditações numa caverna no Monte Hira; nem ser a top do ano, nem o general que cercou Hitler, nem Brilhat-Savarin, nem Van Gogh, nem Mozart, nem Raphael, nem Steve Jobs, nem Sabin, nem os garotos ingleses que mudaram a nossa compreensão do que é o Rock, nem Mandela ou Martin Luther King. Não digo que quero isso ou que devamos levar uma vida insossa, sem esforço, morna e boboca; eu não vivo assim. Mas que é um ótimo começo, para que não façamos isso ad eternum, perceber que no nosso dia-a-dia temos tesouros maravilhosos que na aparência de uma 'normalidade banal' podem sim representar o elemento que levam a transformar - para melhor - a nossa própria vida, a de nossos filhos, esposas, companheiros, alunos, vizinhos e, as vezes, até nações inteiras. Um exemplo de como uma atitude cotidiana mas carregada de luta e força pode provocar profundas alterações numa sociedade? Em primeiro de dezembro de 1955 em uma cidade dos Estados Unidos, uma costureira negra viajando em um ônibus urbano, recusou-se a ceder o seu lugar para um branco. Um gesto forte e consciente que gerou mudanças profundas na sociedade Estado Unidense. De uma ação comum e cotidiana, usar um transporte público, Rosa Parks ao lutar por um direito básico – viajar sentada – abriu as portas para que muitas outras Rosas, Paulos, Marias e Pedros pudessem ter respeitados e reconhecidos seus direitos fundamentais a dignidade humana. Podemos sim, no nosso dia-a-dia, nas nossas atividades nas escolas, nas universidades, nos mercados, nos escritórios, nas igrejas, nos hospitais, nos metrôs ou numa esquina qualquer de nossas cidades, realizarmos “pequenas” revoluções de afeto, carinho, respeito, de solidariedade e luta. Podemos ser Rosas Parks diariamente mas muito provavelmente não ganharemos as manchetes dos grandes jornais nem entraremos para os livros de história nem teremos tapetes vermelhos colocados a nossa frente. Mas quem disse que o valor do reconhecimento só se dá aí? Então, desejando ser em algum momento um “pequeno” Ghandi ou Rosa, no meu cotidiano... continuo a andar de bicicleta com satisfação, a dar lugar para os mais idosos, a não jogar lixo no chão, a tomar meus banhos pelado nas praias desertas que milagrosamente ainda existem, a “gastar” um tempo com aquele colega que está em dificuldades; a dar bom dia mesmo para estranhos, a “roubar” quitutes na panela ainda fervendo de minha mãe, a cantar, namorar, trabalhar, ler e aprender com os livros, com as pessoas. E, ao acordar a cada manhã, sorrir para mim mesmo; e ao sair de casa, não fazê-lo como se fosse para uma guerra de guerrilha onde pode haver uma emboscada a cada passo, a cada pessoa que encontro, a cada palavra dita. Mesmo quando não é "fácil" acordo e levanto para um encontro com uma grande amiga e parceira chamada VIDA. Bom Dia!!

Le Cuisinier.

quinttal@yahoo.com.br

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Outras Inspirações de Viver.

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