Agitar o corpo e o coração faz que vivamos mais e mais felizes, não importa qual a nossa idade. Mas só isso não basta! Só isso não justifica o dom da Vida. Penso que é preciso também saber "agitar" uma qualidade humana que estamos, gradativamente, perdendo no turbilhão urbano e mental no qual fomos mergulhamos: a DELICADEZA!
Ela não precisa ser exposta em uma ação grande ou fantástica, que chame a atenção da mídia ou de multidões, mas pode e deve ser articulada e vivida nas pequenas coisas... naquelas que damos pouca importância, pois caíram na rotina, no dia-a-dia. Podemos "agitar" a delicadeza numa sala de aula, numa refeição, no trânsito, na família, no trabalho ou onde quer que haja GENTE. Pois é! Porque para que esse tipo de exercício seja mais “completo” é preciso ter alguém - quer o conheçamos ou não; que haja um outro – esteja ele presente ou não; que haja um ser humano, como nós, com quem intercambiamos a vida, possibilitando constantes e enriquecedoras interseções entre eu e ele, entre ele e você, entre todos que trafegamos nessa rápida viagem, sobre um planeta azul chamado Terra, que suavemente desliza pelo universo. Claro que a delicadeza por ser expressa de mil maneiras até quando vamos comprar pão na esquina. Mas ela ganha substância quando do outro lado está um semelhante seu.
O turbilhão - no qual poucos de nós resistimos de sermos lançados e que agora até trabalhamos para que nele permaneçamos - cria muitas vezes a falsa sensação de certeza. Um tipo de certeza! De UMA certeza fundada em uma pseudo-autoridade: de que aquilo que pensamos e da forma como expressamos o que pensamos é a melhor equação, é a mais interessante, a mais adequada e “original”. E quando essa minha visão privada do mundo fica diante de um encontro (ou confronto) - entre uma, duas, ou mais pessoas – com idéias diferentes, com visões diferentes, com atitudes que não correspondem as que balizei como “corretas e melhores” parto para a consolidação e afirmação daquilo que entendo como certo e esse “certo” é o que eu entendo como a melhor maneira de agir para aquele momento. Pode até aparentar um diálogo, mas DIÁLOGO tem como característica a troca de idéias e elaborações e para que isso ocorra é preciso escutar... ouvir o outro. É mais ainda: é fazer algo que é bastante difícil e que está posto, na sociedade atual, como desnecessário e piegas... ouvir a si mesmo; ultrapassar a superficialidade das relações, das emoções e dos acontecimentos. Mas não temos mais tempo para essas coisas. Não temos mais “saco” para, ao menos, tentar perceber o que vai em um coração que não é o mesmo que bate no meu peito ou no seu. Empunhamos nossas certezas como verdade e com ela partimos para instalar no outro a nossa concepção de mundo, de fé, de felicidade, de amizade, de família, de liberdade e seja lá o que for. E nesse processo o eco que escutamos é o da nossa própria voz e supomos, enganosamente, ser isso um diálogo. Nesse roldão, sermos indelicados não é indelicado. Sermos rudes nas palavras não é ser rude, grosseiros nas atitudes não é ser grosseiro, tudo encontra uma explicação técnica para justificar o porquê podemos levar alguém as lágrimas e a solidão: é por uma boa causa!
Fazer isso não é ter consistência intelectual, não é ter força argumentativa, não é ter personalidade forte, não é ser “claro” em suas colocações, não é ser convicto de suas certezas. Fazer isso é ser INDELICADO com o outro. E ser grosseiramente indelicado com o outro simplesmente por ele divergir do que você pensa. É colocar o seu interlocutor, seja lá ele quem for, gratuitamente, em uma situação de abandono afetivo no qual nenhum ser humano merece estar. São coisas aparentemente simples, mas que transformaram o mundo num lugar difícil de viver. Estamos nos tornando impermeáveis ao olhar e afeto daqueles que nos acompanham nesta curta travessia. Romper a rigidez de nossas estruturas e deixar-se perceber possibilita encontros maravilhosos. Foi um olhar que quebrou meu afastamento progressivo e minha desesperança com relação ao mundo. Por isso agradeço a Sica, pelo seu olhar, por cada sorriso que dela recebi e ainda recebo, por cada questionamento amoroso que me colocou, por cada divergência dialogada que tivemos, por confrontar minhas colocações sempre partindo do patamar do respeito e da lealdade. Por ter despertado em mim, ao olharmos juntos o horizonte, o afeto pelo que se apresenta diferente e plural, por ter me ensinado a abrir o meu coração e a perceber o que vai no coração do outro - valorizando sinceramente o que bate em ambos. Por ouvir-me com delicadeza e por colocar com firmeza carinhosa suas elaborações e assim ter-me tornado um homem melhor e um ser humano mais integrado, íntegro e solidário.
Por isso e muito mais eu a amo hoje mais do que ontem.
Beijos,
Le Cuisinier.
delicadeza
do Lat. delicatitia
s. f.,
qualidade de delicado;
aptidão para discernir as coisas mais subtis;
subtileza, sagacidade;
cortesia;
urbanidade;
afabilidade;
tenuidade, brandura, suavidade;
mimo, fragilidade;
fraqueza;
leveza;
primor;
susceptibilidade, escrúpulo.